Professor do Paraná é o mais novo desenvolvedor certificado do LibreOffice

O Comitê Diretor de Engenharia do LibreOffice (ESC) nomeou o Prof. Rafael Henrique Palma Lima, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPr) como mais novo desenvolvedor certificado do LibreOffice.

O Prof. Rafael vem contribuindo com código novo no LibreOffice desde 2020, e o comitê atestou a qualidade e o valor das contribuições no LibreOffice para esta certificação. Entrevistamos o Prof. Rafael que nos conta como foi o processo e em que áreas do código ele atua.

Q: Professor, conte-nos como tomou contato com o LibreOffice e a comunidade brasileira?

Prof. Rafael: Como sou usuário de sistemas Linux há muito tempo, sempre utilizei LibreOffice como minha suíte de escritório para preparar aulas e materiais de estudo. Na verdade, sou usuário desde a época do OpenOffice.org, e posteriormente do BrOffice.org. Nessa época eu nem fazia ideia que seria possível me tornar contribuidor de um projeto de tamanha importância.

Primeiramente eu me envolvi com o time internacional de Documentação do LibreOffice, coordenada pelo Olivier Hallot. Na época eu não tinha noção do tamanho da comunidade do LibreOffice no Brasil e foi ele que me introduziu à comunidade brasileira e me orientou sobre como contribuir para o projeto.

Q: O que o motivou a participar de seu desenvolvimento?

Como usuário do LibreOffice, havia muitas coisas que eu acreditava que poderiam ser melhoradas ou corrigidas no software. E como o LibreOffice é um software livre, eu comecei a estudar o código e realizar pequenas correções de bugs no software.

Mais especificamente, como dou aula de Pesquisa Operacional para o curso de Engenharia de Produção, eu sempre tive problemas com o fato de o solver do Calc não ser capaz de salvar as configurações no arquivo. Então tornei isso uma das minhas metas como contribuidor: implementar essa funcionalidade de salvar as configurações do solver no próprio arquivo, pois isso viabilizaria o uso do Calc em minhas aulas de Pesquisa Operacional.

Q: Como se dá a interação com a comunidade Brasileira do LibreOffice?

A comunidade brasileira é bastante engajada, principalmente na área de documentação e tradução dos guias. Temos um grupo no Telegram e fazemos reuniões semanais, todas as quartas-feiras a noite para discutirmos assuntos gerais sobre o LibreOffice, planejar as ações de documentação, e como bons brasileiros também gostamos de bater papo sobre assuntos variados e relacionados ao LibreOffice. Posso dizer que temos uma grande amizade dentro do grupo.

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Q: Sua universidade tem mostrado interesse no LibreOffice?

A universidade em que trabalho, a UTFPR, tem o LibreOffice instalado em todos os seus computadores. O fato de ser um software livre e gratuito garante que todos os computadores tenham acesso a ferramentas de escritório de qualidade, capaz de abrir os principais formatos de arquivos, sem a necessidade de pagar licenças e estar preso a um ecossistema proprietário.

Apesar disso, a universidade ainda não possui uma cultura de contribuição com projetos de software livre. Acredito que minha participação como membro da TDF, bem como minhas idas às Conferências do LibreOffice, têm ajudado a mostrar o outro lado do software livre dentro da universidade: o lado em que contribuímos para desenvolver e melhorar as ferramentas que usamos.

Q: Você considera que o LibreOffice tem valor para o universo acadêmico? Na administração? Na sala de aula e laboratório? Que valores profissionais o LibreOffice oferece aos alunos?

Em minha opinião, o LibreOffice é a ferramenta ideal para o mundo acadêmico. Além de possuir funcionalidades que atendem aos casos de uso de ensino e pesquisa, o LibreOffice é um software de código aberto e pode ser estudado em cursos de Computação e Tecnologia.

Para o trabalho da administração da universidade o LibreOffice oferece todas as funcionalidades necessárias. Contudo, ainda usamos muitos templates criados em outras ferramentas, em especial do Microsoft Office, o que gera alguns problemas de compatibilidade. Se todos esses templates fossem criados diretamente no formato aberto ODF, todo o trabalho de escritório da universidade poderia rodar com o LibreOffice.

Q: Como é participar da comunidade internacional do LibreOffice?

Participar da comunidade internacional do LibreOffice é uma experiência única. São pessoas de diversas partes do mundo, com backgrounds variados, o que enriquece as discussões.

A colaboração é a parte mais interessante. Faço vários patches (implementações de código) que são avaliadas por outros desenvolvedores mais experientes. Também me envolvo em várias discussões em nossos grupos do Telegram e nos bugs reportados por usuários no Bugzilla. Apesar de algumas discussões ficarem acaloradas, sempre buscamos encontrar as soluções que mais beneficiem o projeto LibreOffice.

Q: Os desenvolvedores de outros países o ajudaram a trabalhar no código ou você teve de descobrir as coisas sozinho?

Os desenvolvedores são muito amigáveis e ajudam bastante dando direcionamentos, principalmente durante as revisões dos patches. Mas ainda assim há muita coisa que preciso descobrir sozinho. Cada implementação nova é uma nova aventura, com seu caminho de descobertas próprio. Como o LibreOffice é um projeto antigo, há muitos trechos que possuem código antigo e para entendê-lo é preciso de ajuda de desenvolvedores mais experientes.

Q: Que requisitos são necessários para participar do desenvolvimento do código do LibreOffice?

O código principal do LibreOffice é escrito em C++, logo é preciso ter um bom conhecimento dessa linguagem de programação. Mas acima de tudo, é preciso ter resiliência, pois inicialmente o código do LibreOffice pode parecer gigante e é difícil entender como as coisas se conectam. Para facilitar esse entendimento, recomendo ler os capítulos iniciais do LibreOffice Developer’s Guide para entender os principais conceitos da API Uno.

Q: Como foi o processo de certificação?

O processo de certificação é baseado nas implementações submetidas pelo desenvolvedor ao longo do tempo, demonstrando aptidão para receber a certificação. Nos últimos anos desenvolvi novas funcionalidades que são mais complexas e que abrangem mais partes do LibreOffice, o que acredito ter ajudado na obtenção da certificação.

Guia do Writer 7.6

Q: Além de desenvolvedor certificado você também é membro da The Document Foundation (TDF). A TDF ajudou de alguma forma no processo todo? Que vantagens você vê em ser membro da TDF e agora certificado?

A The Document Foundation é uma fundação da qual tenho orgulho de ser membro. Por meio da TDF desenvolvi relacionamentos que me ajudaram em todo esse processo de aprendizado e certificação. Com financiamento da TDF pude participar presencialmente das últimas duas edições do LibreOffice Conference, onde pude adquirir bastante conhecimento e discutir ideias de desenvolvimento com outros membros da TDF.

Q: Que projetos no LibreOffice você está participando? Pode dar um breve resumo?

Recentemente meu foco tem sido o desenvolvimento de novas funcionalidades no Calc e Basic. Também faço parte do time de desenvolvimento da biblioteca ScriptForge, que visa facilitar a criação de macros em Basic e Python. Além disso, participo de discussões do grupo de Design do LibreOffice e do time de Documentação brasileiro. Também orientei recentemente um projeto do GSoC (Google Summer of Code) e agora vou orientar um novo projeto do programa Outreachy.

Q: Que recomendações você daria aos interessados em participar do desenvolvimento do LibreOffice?

Acredito que há muitas pessoas que têm interesse em contribuir com o LibreOffice, porém não sabem por onde começar. Como o LibreOffice é um projeto muito grande, algumas pessoas podem se assustar inicialmente. Mas o importante é começar em algum lugar. Por exemplo, novos contribuidores podem iniciar nos times de documentação, controle de qualidade (QA), design e posteriormente ir migrando para outras áreas. Se o interesse for tornar-se desenvolvedor, então o ideal é buscar easyhacks no Bugzilla ou criar unit tests para bugs já solucionados.

Também recomendo ter em mente que o caminho pode ser um pouco longo, mas é um caminho muito recompensador.

Parabéns ao Prof. Rafael pela certificação e um muito obrigado pelas contribuições ao LibreOffice tornando-o cada dia mais especial para o publico brasileiro e mundial de forma geral.